Professor temporário é produto perverso de José Serra
Por marilene felinto
Metade dos professores da escola pública paulista não existe – são aparições temporárias, que perambulam de uma periferia a outra, lugares aos quais não pertencem e com os quais não lhes dão tempo de criar vínculo. Manter estes cem mil cidadãos na incerteza trabalhista (são contratados sem concurso público) e no modo de vida nômade que não escolheram, tratá-los como peças de um jogo sem regras, expor todos ao ridículo e desqualificá-los mediante seus colegas profissionais e mediante a sociedade foi o ato mais recente da criminosa “política educacional” do governo de José Serra em São Paulo.
Pior educação pública que a paulista não há no país – e ela é a cara do tucanato (o PSDB), é a obra máxima do descompromisso com a coisa pública quando se trata do interesse da maioria da população pobre. Estes governos afinados com a classe dominante, como os oito anos de Fernando Henrique Cardoso na presidência da República (1995-2002) ou os quase quinze anos em que o grupo de José Serra infesta o Estado de São Paulo deram golpes de morte na educação pública.
Em dezembro último, a Secretaria Estadual de Educação de SP aplicou uma prova ao professorado temporário da rede estadual para utilizar a nota como critério classificatório na atribuição de aulas deste ano letivo de 2009, uma armadilha para demitir milhares de professores que os próprios governos tucanos de Serra e sua turma contrataram em condições de absoluta precariedade e com os quais não sabem o que fazer. A prova, mal elaborada, cheia de questões visivelmente erradas, avaliaria o conhecimento dos professores sobre a proposta curricular da Secretaria. Concorreram com os quase cem mil temporários outros milhares de novos candidatos a lecionar na rede pública, professores recém-formados. Na concorrência desleal, muitos dos temporários perderiam para os novos seus empregos e um mínimo de direitos conquistados. O professorado recorreu à Justiça e ganhou a causa. A Secretaria de Educação de Serra, por seu lado, não teve dúvida: saiu divulgando na mídia serrista (em São Paulo, especialmente os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo e as redes de TV) a “nota zero” atribuída a centenas de professores na tal prova, incluindo neste número as tantas centenas de professores que entregaram a prova em branco, em ato de protesto. Uma desonestidade, uma manipulação flagrante dos resultados.
A “proposta curricular” da gestão Serra para a educação pública não passa disso: culpabilizar o professor pelo fracasso da política educacional cada vez mais perversa conduzida pelo tucanato em São Paulo. Para que gastar dinheiro com os pobres contratando professores por concurso público? Para que oferecer uma escola de qualidade aos filhos dos pobres?
Certamente não é aos elitistas do PSDB que isso interessa. E ainda que caiba ao governo paulista avaliar seu professorado, ainda que fosse numa avaliação justa, e ainda que o professor tirasse nota zero, ainda assim a culpa deveria recair sobre os governos do PSDB em São Paulo e por aí afora: os professores que zerassem seriam os mesmos formados nas faculdades particulares de quinta categoria (faculdades para pobres), abertas feito barracas de camelôs na gestão do ex-ministro da Educação do governo Fernando Henrique, o hoje deputado Paulo Renato Souza. Nota zero mesmo é a esta gente.
Há tempos que ser professor tornou-se profissão penosa, desonrada, sem nenhum reconhecimento social, ainda mais na escola pública – sintoma dessa grave doença da injustiça social brasileira, nos quadros da qual estudar, educar-se, formar-se virou um culto requintado, apenas para quem pode. Ora, se antes professor era uma figura eterna... Mesmo quando, antes, aprender as letras era com caco de telha riscando o chão, pedaço de tijolo, tudo vermelho-alaranjado no piso de cimento cinzento das calçadas da rua. Aprender letra cursiva era com a mão grande de dona Helena, com a voz mansa de dona Cremilda. Quem nunca teve um amor qualquer por um doce professor ou professora? Essas minhas podem ter desaparecido no tempo, dona Helena e dona Cremilda – uma do jardim de infância, outra do primeiro ano (antigo primário) –, desaparecidas como os riscos de telha lavados pela chuva na calçada. Só nunca saíram da minha cabeça, da memória da importância monstruosa que tiveram na minha vida. Paulo Freire, o educador, também contava: “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz”.(1982) Educação também é isso, lembrança para sempre. Temporários (e tomara extintos logo) devem ser os governos perversos da gente do PSDB.
Marilene Felinto é escritora e colunista da Revista Caros Amigos.
Por marilene felinto
Metade dos professores da escola pública paulista não existe – são aparições temporárias, que perambulam de uma periferia a outra, lugares aos quais não pertencem e com os quais não lhes dão tempo de criar vínculo. Manter estes cem mil cidadãos na incerteza trabalhista (são contratados sem concurso público) e no modo de vida nômade que não escolheram, tratá-los como peças de um jogo sem regras, expor todos ao ridículo e desqualificá-los mediante seus colegas profissionais e mediante a sociedade foi o ato mais recente da criminosa “política educacional” do governo de José Serra em São Paulo.
Pior educação pública que a paulista não há no país – e ela é a cara do tucanato (o PSDB), é a obra máxima do descompromisso com a coisa pública quando se trata do interesse da maioria da população pobre. Estes governos afinados com a classe dominante, como os oito anos de Fernando Henrique Cardoso na presidência da República (1995-2002) ou os quase quinze anos em que o grupo de José Serra infesta o Estado de São Paulo deram golpes de morte na educação pública.
Em dezembro último, a Secretaria Estadual de Educação de SP aplicou uma prova ao professorado temporário da rede estadual para utilizar a nota como critério classificatório na atribuição de aulas deste ano letivo de 2009, uma armadilha para demitir milhares de professores que os próprios governos tucanos de Serra e sua turma contrataram em condições de absoluta precariedade e com os quais não sabem o que fazer. A prova, mal elaborada, cheia de questões visivelmente erradas, avaliaria o conhecimento dos professores sobre a proposta curricular da Secretaria. Concorreram com os quase cem mil temporários outros milhares de novos candidatos a lecionar na rede pública, professores recém-formados. Na concorrência desleal, muitos dos temporários perderiam para os novos seus empregos e um mínimo de direitos conquistados. O professorado recorreu à Justiça e ganhou a causa. A Secretaria de Educação de Serra, por seu lado, não teve dúvida: saiu divulgando na mídia serrista (em São Paulo, especialmente os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo e as redes de TV) a “nota zero” atribuída a centenas de professores na tal prova, incluindo neste número as tantas centenas de professores que entregaram a prova em branco, em ato de protesto. Uma desonestidade, uma manipulação flagrante dos resultados.
A “proposta curricular” da gestão Serra para a educação pública não passa disso: culpabilizar o professor pelo fracasso da política educacional cada vez mais perversa conduzida pelo tucanato em São Paulo. Para que gastar dinheiro com os pobres contratando professores por concurso público? Para que oferecer uma escola de qualidade aos filhos dos pobres?
Certamente não é aos elitistas do PSDB que isso interessa. E ainda que caiba ao governo paulista avaliar seu professorado, ainda que fosse numa avaliação justa, e ainda que o professor tirasse nota zero, ainda assim a culpa deveria recair sobre os governos do PSDB em São Paulo e por aí afora: os professores que zerassem seriam os mesmos formados nas faculdades particulares de quinta categoria (faculdades para pobres), abertas feito barracas de camelôs na gestão do ex-ministro da Educação do governo Fernando Henrique, o hoje deputado Paulo Renato Souza. Nota zero mesmo é a esta gente.
Há tempos que ser professor tornou-se profissão penosa, desonrada, sem nenhum reconhecimento social, ainda mais na escola pública – sintoma dessa grave doença da injustiça social brasileira, nos quadros da qual estudar, educar-se, formar-se virou um culto requintado, apenas para quem pode. Ora, se antes professor era uma figura eterna... Mesmo quando, antes, aprender as letras era com caco de telha riscando o chão, pedaço de tijolo, tudo vermelho-alaranjado no piso de cimento cinzento das calçadas da rua. Aprender letra cursiva era com a mão grande de dona Helena, com a voz mansa de dona Cremilda. Quem nunca teve um amor qualquer por um doce professor ou professora? Essas minhas podem ter desaparecido no tempo, dona Helena e dona Cremilda – uma do jardim de infância, outra do primeiro ano (antigo primário) –, desaparecidas como os riscos de telha lavados pela chuva na calçada. Só nunca saíram da minha cabeça, da memória da importância monstruosa que tiveram na minha vida. Paulo Freire, o educador, também contava: “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz”.(1982) Educação também é isso, lembrança para sempre. Temporários (e tomara extintos logo) devem ser os governos perversos da gente do PSDB.
Marilene Felinto é escritora e colunista da Revista Caros Amigos.
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