sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Do blog Delírios e Abstrações

Lembranças...


Esta noite tive um sonho diferente... sonhei com um antigo lugar, um lugar onde me senti parte de uma família enorme, onde ajudei e fui ajudada, onde conheci pessoas maravilhosas, aprendi muito... Passei em frente ao prédio outro dia, e ele continua lá, abandonado, fechado... 21 andares acumulando dividas e sujeiras... Aquele lugar tem Historia... e sempre terá... Então percebi que parte mim também se perdeu em algum lugar daquele prédio, em algum lugar naqueles apartamentos... partes de mim foram deixadas no dia em que encaixotamos o ultimo livro da biblioteca, no dia que me despedi da ultima criança, no dia em que vi os tijolos subindo, fechando e trancando ali dentro diversos coração, inclusive o meu... Este sonho me fez rever coisas, fotos, cartas, textos... Para os guerreiros do Prestes Maia, meu sentimento de saudade, minha sincera devoção e meu carinho eterno... Vocês vivem em meu coração e em minha historia... Hoje sou parte de tudo o que vivi e aprendi com cada um de vocês... com cada sorriso das lindas crianças com quem trabalhei... A LUTA CONTINUA...



Prestes Maia sobrevive, pelo menos por 2 meses mais...Pois é... muito alarde, muito medo, muita luta... Depois de 11 dias de acampamento em frente a Prefeitura de São Paulo, após uma semana inteira de intervenções culturais no subsolo do prédio, inclusive com a presença de nomes como Suplicy e Zé Celso, o juiz "arregou", e presenteou essas famílias: a reintegração de posse foi adiada por 60 dias... O que são 60 dias? Para quem sobrevive amedrontado por constantes ameaças de reintegração de posse esta é uma grande vitória! Mais dois meses de ocupação, mais dois meses de LUTA, mais dois meses de sobrevivência de um espaço cultural, de uma historia que deveria estar em nossos almanaques e livros de historia como marco de luta, resistência de um povo que busca por fazer valer os direitos básicos de cidadania. Para muitos o Prestes Maia, não passa de mais um cortiço, um lugar que abriga invasores e marginais, que não merecem viver onde vivem, pessoas que não merecem espaço na cidade, pessoas que devem ser excluídas, cada vez mais encurraladas por esta nova ordem chamada "Gentrificação". Mas para mim, e também para as pessoas que tiveram a oportunidade de visitar o prédio, de sentir um pouco do clima do lugar, que tiveram a oportunidade de conhecer um pouco da vida dos ocupantes daquele gigantesco prédio, o Prestes Maia é muito mais do que uma simples ocupação. O Prestes Maia é o orgulho e a mostra mais clara do que o povo unido é capaz de construir. É a certeza de que a Luta não acabou e de que, para alguns pelo menos, a vida não se resume em aceitação, futebol e carnaval. Digo agora como Fernanda Moro Pires, estudante, 19 anos, o primeiro sentimento que me moveu ao entrar naquele prédio foi de plena revolta, revolta pelo descaso do governo, revolta pelas condições precárias que as pessoas vivem, revolta pela desigualdade existente e pela incrível capacidade das pessoas, da mídia e dos poderes de simplesmente taparem os olhos para tudo isso e ainda dormirem em paz. O sentimento de impotência, por não saber o que fazer para ajudar, o sentimento de impotência diante desta força cruel e extremamente poderosa chamada Capitalismo. Crianças e famílias vivem em espaços que para muitos é menor do que o banheiro de casa, que vivem sem nenhum tipo de mordomia, que não sabem o que é um banheiro individual, pois os banheiros são divididos por todas as famílias de um andar. Mas em meio ao concreto, as paredes quebradas e sujas marcando todos os anos de descaso com as estruturas do prédio, em meio as janelas quebradas, aos "apartamentos" improvisados, e as escadas que parecem não ter fim, ainda surge um sentimento de esperança... Esperança de que algum dia isso tudo possa mudar, esperança de que estes dois meses possam se multiplicar por muitos anos, e que a cegueira possa se curar, e neste dia as autoridades possam olhar para estas pessoas e enxergar não apenas marginais, mas pessoas comuns, amantes da mesma pátria, trabalhadores incansáveis homens e mulheres, heróis e heroínas, que travam suas batalhas diárias por sobrevivência. Em diversas visitas àquele lugar, em algumas horas de conversa com aqueles moradores, e principalmente com aquelas crianças, me fizeram perceber o verdadeiro sentido do que cantava quando menina no pátio do colégio " VERAS QUE UM FILHO TEU NÃO FOGE A LUTA"


Fernanda Moro

Fernanda Moro é Poetisa.

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